O crepúsculo vespertino flamba as nuvens de saudade, bordando origamis de luz, arrebol de estrelícias, mel dourando nosso amor, na melancolia das horas.
Ele
chegou em casa todo dolorido, ruminando com pesar a indiferença de sua
grande paixão, sentia-se como se uma garoa gélida e valente estivesse a
açoitar a alma teimosa. E dizia a si mesmo, lembrando das palavras do
amigo conselheiro, para de carpir na rocha!! Você esta socando ouriço,
esquece isso! Deixa disso!
Os
pés úmidos rasgavam-se em sangue enquanto pisavam nas laminas e
cimitarras daquela beleza que o estapeava. Beleza muriçoca, que não o
deixava em paz em noites de insônia.
E com o rosto marchetado em dor e resignação, restou-lhe deitar e sonhar no caleidoscópio daqueles beijos tão desejados.
E
sonhava, Ah! Como sonhava. Sonhou até ter passeado junto com ela na
maior roda gigante do planeta , entre os arranha-céus da Malásia, depois
da visita aos primatas de Uluwatu.
Sonhava
também ser uma espécie de curador do silêncio, sim, sonhava pintar o
silêncio de poesias coloridas, onde pétalas de tulipas, gérberas,
acácias e buganvílias, diluíam-se no céu do seu crepúsculo vespertino.
Onde
soprava de um canequinho com detergente e canudinho, miríades e
miríades de borboletinhas luminosamente amarelas que salpicavam
tagarelas e palpitantes na lousa negra e fria da noite.
E nos seus sonhos, sonhava também ser um maestro.
Mas
um maestro diferente, descia até o riacho, lá bem depois do vajão, nas
baixadas do bororó, e com uma fina paina seca cor da pele, descia mesmo
escorregando nas bordas, e caminhava um pouco adentrando no lindo
riacho, ziguezagueante e musical, ia mais ao fundo, com a água até os
joelhos, e parando de frente ao riacho mel, que descia caudaloso e
docilmente sonoro ao seu encontro.
Aprumava-se
altaneiro, pedia silencio pras rãs que tem aquele canto de amor triste e
cadenciado, aquele da novela Pantanal que você ouve e da vontade de se
jogar do décimo andar. Uma vez as rãs quietas de amor, então iniciava
docemente no comando de sua orquestra natural.
Fazia
os movimentos de um maestro com a paina fina, enquanto ouvia as
cantatas do riacho, a água caindo melifluamente, voltava os tons
maviosos e suaves, realçando com doçura os violinos e silenciando
gradualmente o rabecão, e a água brincalhona beijando os sulcos e
pedrinhas, fazendo aquele barulhinho que faz o sono ficar mais gostoso
né? É o córguim né?
E
quando chovia naquele cenário, na sua mente eram realçados os tons de
intensidade, sax & violinos choravam com mais sonoridade, jogava
a cabeça pra traz em gestos vigorosos, e o cabelo desgrenhado e úmido,
como dos grandes maestros que ganham bem.
Dava
pequenos repuxos com a paina, dardejando a cabeça e gesticulando
majestosamente, e as cantatas do riacho misturavam-se com a musica que a
chuva torrencial produzia, que até podemos chamar,
ritmo &; poesia.
E
ele não queria ser um Vila – Lobos, magina gente, mas ali naquele
cenário tão paradisíaco e aquoso, quão onírico e colorido, contentava-se
em ser um: Vila – Girinos, sim, pois miríades e miríades de girinos
trêmulos e luzidios que moravam no riacho, eram também espectadores
finos vestidos de smoking com lindas gravatinhas, e ele em fim pode ver
que os girinos possuem boquinhas para assobiar e aplaudir, e como
sorriam, notou que especialmente os girinus albinos, tem menos fôlego
para os versos longos.
E gradualmente, as chuvas avolumavam-se.
E
quando tornavam-se violentas tempestades, em fim, sempre acordava de
suas viagens oníricas, suando feito chafariz, pois para atenuar o seu
amor impossível, sonhava ser como um curador daquilo que o silencio
expõe, trata e sara , porque o silêncio também dialoga através de uma
sinfonia própria para as almas apaixonadas.
E
acordava mais tranquilo, lembrando de quão prazeroso era ser naqueles
sonhos pueris, um curador do silêncio, ou um altaneiro e bem
conceituado, maestro das cantatas de riachos.
E perguntava-se resignado:
Por quê será que no amor damos uma de faquir, e esquecemos possuir pés e pele
de recém nascidos?
Fer Paola
Saudade