sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Carmim









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" Nosso amor é assim,
paraíso imperfeito,
carmim "









Eu disse a ela










Quando eu disse a ela
 que o amor passou
A cidade levemente flutuou
Ondas amarelas 

a Contorno cheia
A cidade simplesmente me odeia

Mesmo sabendo que a vida nos engana,
Mesmo sabendo que a opala não é plana
Mesmo sabendo que a dor cartesiana
Mesmo sabendo que só música baiana

Eu disse a ela que o amor morreu
A cidade sutilmente estremeceu
Bestas e janelas,

 êxtase no breu
A cidade nos meus dentes 

tu e eu

Quando eu disse a ela que o amor passou
A cidade levemente flutuou
Ondas amarelas a contorno cheia
A cidade simplesmente me odeia

Eu disse a ela que
Eu disse a ela então
Eu disse a ela que
Eu disse a ela não, 



Mesmo sabendo que a vida nos engana
Mesmo sabendo que a opala não é plana
Mesmo sabendo que a dor cartesiana
Mesmo sabendo que só música baiana




Eu disse a ela que
Eu disse a ela então
Eu disse a ela que
Eu disse a ela não






Samuel Rosa  /    Chico Amaral









...jazem histórias que não foram contadas






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É preciso desenterrar os mortos que estão vivos nas valas comuns. Ali jazem histórias que não foram contadas. Jaz a lágrima suspensa no ar do pseudo-esquecimento. É preciso cavar. É preciso cavar. Há mães e pais que cavariam com as próprias mãos, até sangrarem os dedos e esfolarem as unhas. Pois existem valas fechadas e feridas abertas que sangram. Sim, cavariam com gana de abraçar os filhos que não foram beijados antes da hora de dormir.





Autor: Vera Lúcia de Castro






quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Lavoura Arcaica - Raduan Nassar







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  Estranho é o mundo pai,
que só se une se desunindo,
erguido sobre acidentes,
não há ordem que se sustente, (...)
e não semeei esta semente


foram inúteis todos os socorros
e recusando qualquer consolo
a mãe passou a capinar 
na sua própria língua, 


puxando um lamento milenar
que corre ainda hoje 
a costa pobre do mediterrâneo
tinha cal, tinha sal,
 tinha naquele verbo áspero
a dor arenosa do deserto






Raduan Nassar
                 Lavoura Arcaica







quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Leitor de livraria









 Por Vanessa Barbara



A megalivraria é a nova biblioteca. Muita gente almoça às pressas e deixa de escovar os dentes só para poder passar mais tempo lendo confortavelmente num pufe de livraria. Comprar o livro, nunca — a graça é ler um trecho por dia, pular o almoço, disputar com outros dois clientes o único volume em estoque e fazer anotações teóricas num caderninho.


O típico leitor de livraria é aquele que traz seu próprio marcador (ou pega emprestado no caixa do estabelecimento) e esconde os livros ainda não concluídos em lugares aleatórios, a fim de garantir seu paradeiro no dia seguinte. Para esse indivíduo, é muito difícil lidar com a realidade de que o seu livro pode ser vendido de repente, antes que ele chegue ao final, e ainda por cima para alguém que não pretende lê-lo. Ou que não vai lhe dar o devido valor. Por isso, o leitor inveterado recorre a associações mnemônicas a fim de recordar onde deixou o tomo dois de Guerra e paz: na estante de viagens, atrás do guia da Coreia (nota mental: parei na página 234). As benevolentes, de Jonathan Littell, pode ser oculto na área de estudos religiosos. Já a edição comentada de Alice no País das Maravilhas ficaria na seção de moda, ao lado de um livro sobre chapéus. Ou na de literatura brasileira, junto a um romance do Paulo Coelho. (Advertência: a associação com o Chapeleiro Maluco e o Coelho Branco é um tanto manjada e pode ser de fácil decodificação para os vendedores mais calejados.)


A livraria é mais agradável do que a biblioteca por conter uma miríade de poltronas, cadeiras e almofadões com níveis variados de comodidade — muitos leitores caem no sono e são acordados no fim do expediente por um funcionário fechando a loja. Há quem diga que encontrou a cura da insônia na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, outros preferem um lugar mais intimista como a Livraria da Vila para pegar no sono lendo contos de fadas. A Saraiva Mega Store do Shopping Center Norte é recomendada para quem deseja comentar passagens de livros com desconhecidos.


As livrarias possuem os últimos lançamentos e todas as obras têm cheiro de novas. Além disso, nas lojas não é preciso deixar a bolsa no guarda-volumes e é muito difícil levar bronca, ao contrário do que acontece nas bibliotecas. Nenhum funcionário segue o leitor perguntando incessantemente o que ele está procurando, nem há proibição expressa de vasculhar livros por conta própria, vagando pelas prateleiras e tirando volumes do lugar. Isso, como todos sabem, é severamente punido nas bibliotecas públicas, onde o que menos se aprecia é a existência de leitores.


A habilidade do leitor de livraria é a de ler sem deixar vestígios, sem machucar as páginas ou provocar dobras desagradáveis. Ele às vezes leva um laptop para fazer anotações enquanto avança e para pesquisar o significado das palavras, caso esteja com preguiça de ir à seção de dicionários. Ri em voz alta e pede silêncio se alguém está conversando nas proximidades. Quando devora um thriller policial e está nas últimas páginas — o detetive prestes a desvendar o culpado —, pode se incomodar com a interrupção de um vendedor pedindo licença para mostrar o título a um cliente interessado. “Só um segundo”, diz, correndo a página com os olhos. “Eu sabia! Desde o começo!” e, levantando-se: “Você precisa ler isto aqui. É muito bom”. Entrega o volume nas mãos do funcionário, agradecendo e dando boa tarde a todos. No dia seguinte, volta para pedir indicações de títulos policiais naquela mesma linha.


Há quem afirme ter lido nessas condições todos os sete volumes de “As crônicas de gelo e fogo”, de George R. R. Martin (o primeiro tomo está na seção de literatura infantil, perto de um conhecido clássico da Companhia das Letrinhas) e Caninos brancos, de Jack London (na estante de livros técnicos, atrás de Onze técnicas avançadas para clareamento dental). No mesmo setor se encontra O deserto dos tártaros, de Dino Buzatti, e a biografia de Tiradentes, ambos na diagonal, bem no fundo da estante.


Os banheiros desses estabelecimentos também costumam ser melhores do que os de bibliotecas, mas infelizmente não é possível levar um livro para acompanhá-lo lá dentro — há detectores na entrada.


Nas megalivrarias também há cafés, de modo que o leitor mais folgado pode apreciar um bolo de morango com suco enquanto se dedica à fruição de algo que não vai comprar. Vez ou outra há distribuição gratuita de champanhe, vinho e amendoim nos vernissages de lançamento, o que pode ser um incentivo a mais para ler a obra da noite, tirando dúvidas in loco com o autor. Ou para pedir emprestada uma das cadeiras do anfitrião (“Eu não vou incomodar, só estou aqui terminando o capítulo”), lançando assim a moda das noites de autógrafo com um autor e um leitor, numa espécie de showroom do produto.


Duas regras de etiqueta para o leitor de livraria: levar a própria garrafa térmica de casa não é recomendado, tampouco fica bem tirar os sapatos para maior conforto.

* * * * *

 

ps 1. Leitura recomendada: “Leitor de livraria”, no Blog do Paulo Velho, que serviu de inspiração para este post.






sábado, 3 de janeiro de 2015

Todo feito duma rosa









Era um céu 
todo feito duma rosa
dúbio e vagaroso
até que uma suave concha escura
apagasse o dia







Raduan Nassar

                 Lavoura Arcaica








O amor que tu me deste









Surgindo de todo aquele
desprezo , uma rosa
vermelha
que sangra , sangra 
sangra n`alma

sangra a saudade
em bateias suspirantes
qual rosa dolosa

sangra
mas sem jamais
perder
o perfume
 
do amor
e da saudade 



Saudade