segunda-feira, 20 de setembro de 2021
terça-feira, 24 de agosto de 2021
domingo, 18 de julho de 2021
quinta-feira, 18 de março de 2021
little John
Oh little John!
Sim , agora são lágrimas
que caem mais
entre suas plantas e pedras
teus irmãos estão
mais silenciosos
tudo isso aqui
tornou-se uma
sepultura faminta
cante uma canção
de misericórdia
para aqueles que se vão
cante
para tantos olhos
que passam
indiferentes e doridos
quinta-feira, 4 de março de 2021
Um tributo à poesia e ao labor poético
O filósofo Theodor Adorno (1903-1969) afirma que, no capitalismo tardio, “a tradicional dicotomia entre trabalho e lazer tende a se tornar cada vez mais reduzida e as ‘atividades de lazer’ tomam cada vez mais do tempo livre do indivíduo”. Paradoxalmente, a revolução cibernética de hoje diminuiu ainda mais o tempo livre.
Nossa época dispõe de uma tecnologia que, além de acelerar a comunicação entre as pessoas e os processos de aquisição, processamento e produção de informação, permite automatizar grande parte das tarefas. Contudo, quase todo mundo se queixa de não ter tempo. O tempo livre parece ter encolhido. Se não temos mais tempo livre, é porque praticamente todo o nosso tempo está preso. Preso a quê? Ao princípio do trabalho, ou melhor, do desempenho, inclusive nos joguinhos eletrônicos, que alguns supõem substituir “velharias”, como a poesia.
T.S. Eliot, um dos grandes poetas do século XX, afirma que “um poeta deve estudar tanto quanto não prejudique sua necessária receptividade e necessária preguiça”. E Paul Valéry fala sobre uma ausência sem preço durante a qual os elementos mais delicados da vida se renovam e, de algum modo, o ser se lava das obrigações pendentes, das expectativas à espreita… Uma espécie de vacuidade benéfica que devolve ao espírito sua liberdade própria.
Isso me remete à minha experiência pessoal. Se eu quiser escrever um ensaio, basta que me aplique e o texto ficará pronto, cedo ou tarde. Não é assim com a poesia. Sendo produto do trabalho e da preguiça, não há tempo de trabalho normal para a feitura de um poema, como há para a produção de uma mercadoria. Bandeira conta, por exemplo, que demorou anos para terminar o poema “Vou-me embora pra Pasárgada”.
Evidentemente, isso não significa que o poeta não faça coisa nenhuma. Mas o trabalho do poeta é muitas vezes invisível para quem o observa de fora. E tanto pode resultar num poema quanto em nada.
Assim, numa época em que “tempo é dinheiro”, a poesia se compraz em esbanjar o tempo do poeta, que navega ao sabor do poema. Mas o poema em que a poesia esbanjou o tempo do poeta é aquele que também dissipará o tempo do leitor, que se deleita ao flanar por linhas que mereçam uma leitura por um lado vagarosa, por outro, ligeira; por um lado reflexiva, por outro, intuitiva. É por essa temporalidade concreta, que se manifesta como uma preguiça fecunda, que se mede a grandeza de um poema.
(Adaptado de: CÍCERO, Antonio. A poesia e a crítica: Ensaios. Companhia das Letras, 2017, edição digital)
Pense a longo prazo
Tendo em vista a textura volitiva da mente individual, a perene tensão entre o presente e o futuro nas nossas deliberações, entre o que seria melhor do ponto de vista tático ou local, de um lado, e o melhor do ponto de vista estratégico, mais abrangente, de outro, resulta em conflito.
Comer um doce é decisão tática; controlar a dieta, estratégica. Estudar (ou não) para a prova de amanhã é uma escolha tática; fazer um curso de longa duração faz parte de um plano de vida. As decisões estratégicas, assim como as táticas, são tomadas no presente. A diferença é que aquelas têm o longo prazo como horizonte e visam à realização de objetivos mais remotos e permanentes.
O homem, observou o poeta Paul Valéry, “é herdeiro e refém do tempo”. A principal morada do homem está no passado ou no futuro. Foi a capacidade de reter o passado e agir no presente tendo em vista o futuro que nos tirou da condição de animais errantes. Contudo, a faculdade de arbitrar entre as premências do presente e os objetivos do futuro imaginado é muitas vezes prejudicada pela propensão espontânea a atribuir um valor desproporcional àquilo que está mais próximo no tempo.
Como observa David Hume, “não existe atributo da natureza humana que provoque mais erros em nossa conduta do que aquele que nos leva a preferir o que quer que esteja presente em relação ao que está distante e remoto, e que nos faz desejar os objetos mais de acordo com a sua situação do que com o seu valor intrínseco”.
(Adaptado de: GIANNETTI, Eduardo. Auto-engano. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, edição digital)
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021
A mensagem desejada
Brigaram muitas
vezes e muitas vezes se reconciliaram, mas depois de uma discussão
particularmente azeda, ele decidiu: o rompimento agora seria definitivo. Um
anúncio que a deixou desesperada: vamos tentar mais uma vez, só uma vez, implorou,
em prantos. Ele, porém, se mostrou irredutível: entre eles estava tudo acabado.
Se pensava que tal
declaração encerrava o assunto, estava enganado. Ela voltou à carga. E o fez,
naturalmente, através do e-mail. Naturalmente, porque através do e-mail se tinham conhecido, através do e-mail tinham namorado. Ela agora confiava no
poder do correio eletrônico para demovê-lo de seus propósitos. Assim, quando
ele viu, estava com a caixa de entrada entupida de ardentes mensagens de amor.
O que o deixou
furioso. Consultando um amigo, contudo, descobriu que era possível bloquear as
mensagens de remetentes incômodos. Com uns poucos cliques resolveu o assunto.
Naquela mesma
noite o telefone tocou e era ela. Nem se dignou a ouvi-la: desligou
imediatamente. Ela ainda repetiu a manobra umas três ou quatro vezes.
Esgotada a fase
eletrônica, começaram as cartas. Três ou quatro por dia, em grossos envelopes.
Que ele nem abria. Esperava juntar vinte, trinta, colocava todas em um envelope
e mandava de volta para ela.
Mas se pensou que
ela tinha desistido, estava enganado. Uma manhã acordou com batidinhas na
janela do apartamento. Era um pombo-correio, trazendo numa das patas uma
mensagem.
Não teve dúvidas:
agarrou-o, aparou-lhe as asas. Pombo, sim. Correio, não mais.
E pronto, não
havia mais opções para a coitada. Aparentemente chegara o momento de gozar seu
triunfo; mas então, e para seu espanto, notou que sentia falta dela. Mandou-lhe
um e-mail, e depois outro,
e outro: ela não respondeu. E não atendia ao telefone. E devolveu as cartas
dele.
Agora ele passa os
dias na janela, contemplando a distância o bairro onde ela mora. Espera que
dali venha algum tipo de mensagem. Sinais de fumaça, talvez.
(Adaptado
de: SCLIAR, Moacyr. O imaginário
cotidiano. São Paulo: Global, 2013, p. 71-72)