A primeira palavra que me vem em mente quando penso na
vida moderna é dispersão. Existe uma competição constante pela nossa atenção
entre os produtores de novas tecnologias, de comida, de roupas; há uma
necessidade crescente de estarmos "ligados" com o que está
acontecendo, e já não basta rádio e televisão; tem que ser pelo Facebook, pelo
Twitter, pelo Google Plus e um bando de outras redes sociais.
Cada instante é ocupado por algo que vemos numa tela,
pequena ou grande. A informação vem em torrentes incessantes. Se esquecemos
nosso celular em casa, é como se tivéssemos perdido um dedo ou outra parte do
corpo. Os celulares tornaram-se parte integral de nossa existência, um
apêndice tecnológico que nos define como indivíduos.
Tornaram-se um vício, como verificamos assim que pousa um avião e todo mundo se precipita para ligar seu
iPhone ou seu Galaxy, como se naquele voo de 45 minutos a história do mundo
tivesse se transformado de forma profunda e aquele e-mail que mudará a sua vida
tivesse finalmente chegado.
Não nos permitimos mais espaço para a contemplação.
Sei que isso está parecendo papo de velho, atravancado
com os avanços tecnológicos. Mas não é nada disso; eu mesmo tenho todos os
brinquedos tecnológicos que existem e os uso como todo mundo, com muito prazer.
Portanto, essa reflexão é para mim também, mesmo se digitada em meu laptop.
Muita gente me pergunta se o tempo está mudando,
passando mais rápido. Essa é uma percepção psicológica da passagem do tempo,
que nada tem a ver com a passagem física do tempo. A duração do dia muda muito
lentamente, e muda no sentido inverso, aumentando e não diminuindo, devido à
fricção gravitacional das marés causadas pelas atrações entre Terra, Lua e Sol.
O tempo está passando mais rapidamente, ou assim o
percebemos, porque cada vez temos menos controle sobre ele. O ócio é algo
que consideramos quase que pecaminoso (esquecendo os pecados capitais);
qualquer brecha de tempo nós enchemos
com uma leitura no Twitter, do
Facebook, de e-mail, um videozinho no YouTube, ou um podcast qualquer.
Uma das maiores vítimas dessa correria moderna é nossa
conexão com a natureza.
Na ânsia pela informação, pouco desviamos os olhos das
telas. Olhar para o céu é algo que raramente fazemos, especialmente nas
grandes cidades. Para a maioria das pessoas a natureza é um conceito, algo que
existe lá longe, nas fotos que vemos nas revistas, ou nos vídeos do YouTube
e especiais de TV.
Para resgatarmos nosso controle sobre o tempo é
necessário retornarmos à natureza, criarmos espaço para a contemplação das
formas de vida, das árvores, das flores e animais; é necessário olharmos para o
céu noturno, longe das luzes da cidade. Assim conseguiremos desacelerar,
buscando outro tipo de informação que nos liga ao que temos de mais essencial:
nossa relação com os ciclos e ritmos do Cosmo.
(GLEISER, Marcelo. Folha de S.
Paulo, 08 dez 2013. Adaptado.)