Às vezes as pessoas pensam que a fala do escritor é a de um sujeito inteligente. Elas querem ouvir uma inteligência insultando seus ouvidos com frases de efeito, espirituosas. Eu poderia dizer frases espirituosas. Por exemplo: “eu não sou escritor, eu sou uma pedra; ah, uma pedra, que coisa mais insossa para um chute!”. Não é bonitinho, isso? Uma pedra insossa, um chute... Parece de fato uma coisa inteligente. Mas não é, não. É apenas um trocadilho, um jogo de palavras.
Às vezes se pensa que o escritor conhece muito a vida dos afetos. É alguém que traz no bolso uma definição certeira do que seja o amor, os sentimentos todos. Eu posso estirar aqui uma frase enorme sobre o amor: “o amor é um confronto mais de angústias do que de soluções – alarma mais a alma do que abranda...”. Não é uma longa frase de efeito? Não é até poética, rítmica, com suas assonâncias? É, mas não diz nada além do que é dito ou sabido por teu tio mais carrancudo.
Por vezes ainda o escritor parece saber a receita de como tirar do país todo o infortúnio; parece tirar do bolso a melhor explicação para os problemas das gentes, apontando as iniquidades, deslizando para as platéias soluções suculentas. Verdadeiras desforras contra os poderes de plantão. Porém, no mais das vezes, retórica pura, bom manuseio de palavras para encantar desavisados.
Porque o escritor se realiza mesmo é na obra, no texto. É no texto que ele organiza os seus sentimentos e pensamentos que, se bem expressos, se bem organizados numa estrutura, numa forma eficaz, vão calar fundo no leitor. Vão movê-lo ou removê-lo do que é reiterado cotidianamente pelos discursos dominantes.
O fim de toda escrita literária é encontrar uma forma de dizer. É achar o melhor ritmo, a palavra salvadora da frase, o parágrafo que se veste de brilhos.
Creio que encontrei uma forma para falar da vida de Rita. Creio que – e os mistérios da criação talvez expliquem – consegui estruturar uma narrativa que, passados 9 anos de sua publicação, prossegue despertando interesse, incomodando leitores, provocando debates, pesquisas. Diria até – apaixonando alguns. Por que os leitores gostam de Rita? O que tem essa personagem que atrai tantos? Eu não sei por que as pessoas gostam tanto daquilo que é escuso, recôndito, em nós – e que, quando revelado, traz alívio.
Não sei, mas parece que aí reside, em literatura, uma cumplicidade do leitor com o escritor. O escritor puxa o que é escuso de dentro de nós, puxa o irrevelável, o oculto (e que queremos sempre manter oculto), e o publiciza.
E mais: o publiciza através de uma forma, de uma organização de palavras, de uma linguagem que provoca prazer. É, por assim dizer, o horror prazeroso. O leitor gosta do escritor porque o vê como um cúmplice que foi capaz de dizer o que disse e da forma que disse. Acho que é por isso que Rita me trouxe tantos amigos – a perturbação dela é a de tantos. Muitos nela se reconhecem. Há pessoas que entendem que eu extraí de Rita angústias ou patologias que moram dentro delas. E não é por isso que gostamos de certos personagens? No fundo, gostamos porque eles são o que somos – e isso, repiso, alivia a nossa loucura. Saber que não estamos sós no mundo com as nossas loucuras nos abranda mesmo.
Rinaldo de Fernandes
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