Indiferente ao rochedo frio, há horas recolheu-se na Pedra do Albatroz. Sentou-se naquela posição que lhe era peculiar, abraçando os joelhos, a cabeça baixa, taciturna.
Não observa bem acima, os rabiscos que as gaivotas fazem em um céu de amianto. Não quer encarar o farol, quieto e soturno, como um gigante leve, irmão dos pássaros e das vagas, cativando os silêncios d’alma.
Não quer reparar no vento penteando com força as crespas folhas de pequenas moitas valentes. Mais abaixo, as ondas oferecem, lânguidamente, níveas colchas de alfenim aos pés do rochedo ríspido e imberbe.
De repente, abre olhos e os sentidos já estão envolvidos em um canto sedutor. Ergue a pesada cabeça, levanta-se atônito enfrentando camadas e camadas de carícias da cantilena que vem do mar e o alicia perturbadoramente.
Ensaia os primeiros passos descendo rumo ao imenso colchão de espuma, os olhos já enamorados, a alma derramando-se no balé das vagas, absorta em um brechó de intensas sensações e prazeres inefáveis.
A vista cambiante perde-se no elo sempiterno entre mar e firmamento. É doce e feiticeiro o realejo à maresia.
Súbito, anjos irrompem a abóbada de amianto.
Entre atentos e pressurosos, acompanham o canto em segunda voz em meio a inúmeras sereias em fuga mar adentro.
sente como se lhe imprimissem n’alma uma primeira demão dos sentidos que retornam.
Olhos cansados. Cílios beijam-se suavemente. Enxuga as lágrimas e, faminto, recolhe os apetrechos.
Tempo de retornar à casa.
DAVI CARTES ALVES
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