Dentro dos versos de Nohra Fueyo
(Mariana Ianelli)
Mariana Ianelli*
Começo de ano me lembra terras patagônicas, aquele horizonte aberto onde os ventos se esbaldam, onde o ar é mais puro e o passado descansa num chão de ossadas pré-históricas. Tantos navios que já naufragaram. Logos, Patmos, Perseverancia, que adiantaram nomes tão fortes? Afundaram todos entre o Pacífico e o Atlântico. São agora nomes de espetaculares falhanços, nomes dos colossos de ambição que se quebraram, a proa empinada para o céu, a popa mergulhada nas águas.
Esses imensos desertos branco-azulados, com seus navios-fantasmas, suas flores estranhas e seus silêncios, já renderam à literatura muitas páginas fantásticas. Terra das maravilhas ou terra do diabo, neste caso importa menos uma odisseia que o sentimento de uma paisagem. Importa a maneira de viver de um fazendeiro às margens do rio Belgrano, de uma tecelã num rancho em Piedra Buena ou de uma poeta nos confins de San Julián. Uma mulher como Nohra Fueyo.
Nohra busca na terra as cores das argilas como faziam os velhos índios que Fernão de Magalhães encontrou ali há quase quinhentos anos. Vive numa casinha cheia de lâmpadas, frascos e garrafas que coleciona de suas andanças pela costa. Ela esgravata a terra, ouve o canto das calhandras e escreve poemas que nenhum gigante da literatura faria melhor que os gigantes da Patagônia. Poemas sobre nuvens de alba, azuis de mares, manhãs de geada, gaivotas feito cataventos, lagartixas enluaradas, pedregulhos nos baldios e silêncios do tempo.
Começa o ano e vêm essas terras nuas, feitas de sangue, pele e alma, essas terras com suas cerimônias de sal, suas espumas de água, seus ventos em flautas de ferro, remos quietos na costa, sonhos atrás das janelas e luzes que vão se acendendo pouco a pouco, como dentro dos versos de Nohra Fueyo, poeta dos confins de San Julián.
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