Diz que o mar já não é mais o mesmo enquanto frita um filé de cachalote, depois do almoço Sophie corre de pantufas na chuva gritando que os lírios estão febris nesta manhã, ela ri dos trovões que lhe derramam impropérios
Sophie repara, absorta num silêncio, que nas miríades de sulcos dos riscos na tabua de carne, há manhãs luminosas, dias de garoa, lágrimas, feriados, o consumo temperado de momentos inesquecíveis, salpicado de ausências e sonhos,
no emaranhado de vincos, os amores que se foram, relembrados ao longo de um profundo suspiro, outro toque entre os cílios, um barulho lá fora, o vento sugere uma dança engraçada às roupas no varal,
A paixão de Sophie é cortar os longos cílios de velhas bonecas e costurando-os minuciosamente, bordar num singular mosaico de tramas, estojinhos para celular
Com as unhas longas e impecáveis, Sophie tamborila sua música preferida em um dos suportes frios do ponto de ônibus. Repara caírem em intervalos precisos na pequena poça d’água, pingos que iniciam uma fina garoa, sem querer, espanta os pardaizinhos de cristo quando estoura outra bola do chicle metade uva metade laranja.
Com as unhas longas e impecáveis, Sophie tamborila sua música preferida em um dos suportes frios do ponto de ônibus. Repara caírem em intervalos precisos na pequena poça d’água, pingos que iniciam uma fina garoa, sem querer, espanta os pardaizinhos de cristo quando estoura outra bola do chicle metade uva metade laranja.
Durante o dia, especialmente no ônibus, lhe incomoda o logo da empresa que trabalha, na camisa que ficou grande demais : CASA DA AZEITONA, amiúde as pessoas reparam uma e muitas vezes no desenho e deixam a protagonista azeitoninha no caroço,
mas o que a irrita é que mesmo carregando um outdoor no peito, lhe perguntarem:
Onde você trabalha?
Á tarde, Sophie estuda em uma grande universidade, mas é uma garota triste, sozinha, sempre falando pouco, monossílabos inaudíveis, possui um olhar distante, profundo, fugidio, apenas sorri e ilumina-se, quando sente em sua pele o toque de uma borboleta, aquela mesma das tardes de sol, ela a contempla afetuosamente, suas cores, seu vôo doce e leve, sem pressa e sem os problemas que tanto a incomodam.
Sophie ama escrever a noite, sobre as flores, sobre a vida, sobre as borboletas coloridas, é onde se encontra com as dúvidas e respostas dos seus problemas, ela dorme um pouco, e sonha com a chuva caindo calmamente entre pingos coloridos e musicais, sonha a felicidade viajando em outros mundos, onde um príncipe, forte, atencioso, com seus longos cabelos dourados lhe recita poemas de amor, doces, seu mar de amor, profundo mar, e o seu céu torna-se colorido, um céu de ametista, que brilha lindamente em seus olhos.
Sophie desperta suavemente , volta pra sua realidade, ela chora sempre que vê a lua morrer em seu céu de ametista, juntamente com seus sonhos de amor
Ao despertar , repara novamente na praça a presença daquele homem estranho, como sempre percebe, ele não reagiu aos evangélicos lhe entregando o panfleto, nem os olhou, todos os dias a mesma cena, encostado na amurada, depois senta no banco, imóvel, os olhos fixos no córrego sujo, as crianças chegam no mesmo horário, trazendo bola e a algazarra, provocando-o, brincando de dar susto, Ehhh! Ehh ! Hei!
E ele tão frio e indiferente como uma rocha sob o musgo, o sabiá mais pertinho, o joão de barro já rente a seus pés, outros pássaros mais ousados, e ele sempre de costas para a vida que jorra na rua, quieto, indiferente ao murmúrio do comércio, a balbúrdia dos feirantes, e toda polifonia do cotidiano, quando a tantas do folguedo dos pequenos, a bola bate em suas costas, outro silêncio e os moleques petrificados,
Sophie fica tensa,
mas ele sequer virou-se, os meninos apenas paravam o jogo, diante de seu andar desacertado, seu tossir esganiçado, seu arfar descompassado, por nascer meio corcunda, e o golpe de misericórdia, apaixonar-se tão febrilmente pela moça tímida da floricultura mais sortida...
Os dias são lépidos e vorazes, Sophie cresce, amadurece, e aparece, mas as encomendas dos estojinhos aumentaram, agora esta de olho nas bonecas da irmã caçula,
persisti a dúvida: se compra um novo carro ou se faz um passeio de balão, sobre as fazendas de girassóis
persisti a dúvida: se compra um novo carro ou se faz um passeio de balão, sobre as fazendas de girassóis
mas ultimamente deleita-se no cuidado com as flores, terapia dos deuses do amor, foi quando pediu pra não contar o seu segredo:
- Olha, este assunto é material radioativo, viu? Não pode vazar de jeito nenhum, entendeu?
- Promete? Responde! Promete???
Enquanto colhia os cabelos, intimidando com sua beleza exuberante o grande espelho ovalado,
os braços em arco, como se fosse executar um passo de bailarina, depois foi pra janela, abrindo-a, assustou-se virando o rosto diante da polifonia agressiva da grande metrópole.
Sophie olha com ternura para o vaso de flores já pálidas, mas que daquela altura ainda borrava de belas cores aquele céu cinza-amianto, gérberas, estrelicias, calandivas, campânulas, da um beijo sedativo em uma azaléia ferida, sob luz divinal, levou o vaso pra bancada, água, poda e afago
Um suspiro afetado, sente a brisa e suas carícias na samambaia. Ela olha o relógio novamente, tensa, pela janela, vê o cachorro barulhento correr atrás das bicicletas naquele trecho de sempre, separa as flores com carinho e tenta novamente, em vão,
a anestesia não pegou de novo, droga!
A tiara caramelo nos lábios, corrige os cabelos, tenta outra vez, antes, mais uma tragada no cigarro, mas não tem jeito, o caule esta muito fino, desiste!
A tiara caramelo nos lábios, corrige os cabelos, tenta outra vez, antes, mais uma tragada no cigarro, mas não tem jeito, o caule esta muito fino, desiste!
E com pena, porém resignada, arranca mesmo assim as pétalas feridas da flor sem a plicar a anestesia.
Lamenta enquanto as pétalas sentem o peso das lágrimas.
Sentou-se um pouco, olha o formigueiro humano lá embaixo que parece ser pisoteado de tanta agitação
Nos olhos, persistem ainda as doridas nuvens que restaram de um céu despedaçado.
Comentei com Sophie que o tio da bela moça, um dia tinha ido lá pra ver se eu tinha a cara do perigo, anos depois voltaram num celta prata. Deu pra fazer muito bem essa leitura. Já a tia sabia que era não era nada disso. Flores e joias raras são tão bem protegidas. Tristeza.
Comentei com Sophie que o tio da bela moça, um dia tinha ido lá pra ver se eu tinha a cara do perigo, anos depois voltaram num celta prata. Deu pra fazer muito bem essa leitura. Já a tia sabia que era não era nada disso. Flores e joias raras são tão bem protegidas. Tristeza.
Quis falar um pouco mais do amor, mas ela pediu pra mudar de assunto, reparando nas unhas recém pintadas com motivos florais:
- Vai passar pela floricultura?
- Tem uma entre a Praça da Ucrânia e o Colégio Positivo, lembra?
- Não, não, ela fica na Praça da Ucrânia mesmo
- É verdade, próximo do tubo
- Traga-me todas as magnólias que tiver
Depois, a dor no peito voltara muito mais intensa, tonturas e muitas, muitas vozes, pessoas ou seriam fragmentos delas, imagens , slides disformes, e a música, novamente, aquela música da infância junto com outras imagens ...
o volume diminui calmamente.
A chama cambiante da vela deu a última gingada diante daquela vida que se debatia, restando apenas o círculo disforme e inacabado de cera no pirex de flores sem cor, os olhos fecharam-se suavemente no ultimo beijo dos cílios?
Tudo se consumindo e diluindo-se num único grão de terra, num último píxel.
Ainda ouvira o som como que de uma revoada de pássaros em debandada num céu de amianto, que garoava pétalas amarelas de crisântemo...
Ela vem numa lenta procissão entre miríades de grandes nuvens , elas são muito mais suaves do que pensava, vem montada num lindo arrebol Cumulonimbus , efusiva, grita para os pássaros, e daí???
Acorda ofegante, derruba a garrafinha d’água, tateando pelo abajur
Agora são outros sonhos?
Mas Sophie gosta mesmo,
é de caminhar à beira mar...
DAVI CARTES ALVES
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