Acho que a verdadeira
força motriz do desenvolvimento humano, a razão da superioridade e do sucesso
do Homem, foi a preguiça. A técnica é fruto da preguiça. O que são o
estilingue, a flecha e a lança senão maneiras de não precisar ir lá e esgoelar
a caça ou um semelhante com as mãos, arriscando-se a levar a pior e perder a
viagem? O que estaria pensando o inventor da roda senão no eventual
desenvolvimento da charrete, que, atrelada a um animal menos preguiçoso do que
ele, o levaria a toda parte sem que ele precisasse correr ou caminhar?
Toda a história das telecomunicações, desde os
tambores tribais e seus códigos primitivos até os sinais da TV e a internet, se
deve ao desejo humano de enviar a mensagem em vez de ir entregá-la
pessoalmente. A fome de riqueza e poder do Homem não passa da vontade de poder
mandar os outros fazerem o que ele tem preguiça de fazer, seja de trazer os
seus chinelos ou construir suas pirâmides.
A
química moderna é filha da alquimia, que era a tentativa de ter o ouro sem ter
que procurá-lo, ou trabalhar para merecê-lo. A física e a filosofia são
produtos da contemplação, que é um subproduto da indolência e uma alternativa
para a sesta, A grande arte também se deve à preguiça. Não por acaso, o que é
considerada a maior realização da melhor época da arte ocidental, o teto da
Capela Sistina, foi feita pelo Michelangelo deitado. Marcel Proust escreveu Em busca do tempo perdido deitado. Vá
lá, recostado. As duas maiores invenções contemporâneas, depois do antibiótico
e do microchip, que são a escada rolante e o manobrista, devem sua existência à
preguiça. E nem vamos falar no controle remoto.
(Adaptado de: VERISSIMO, Luis Fernando. O mundo é bárbaro. Rio de Janeiro: Objetiva,
2008, p. 54-55)
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